Lei da Shariah - Cap II


CAPÍTULO II - DIREITOS POLÍTICOS




2.1 DEMOCRACIA NO ISLAM


Segundo o que estabelece o Islam, o homem ocupa o lugar de representante e vice- gerente de Deus na Terra, ou seja, em virtude dos poderes que lhe foram delegados por Ele, o homem é chamado a exercer a autoridade divina nesse mundo dentro dos limites prescritos por Deus. 
Vejamos um exemplo: 

Suponhamos que alguém tenha sido delegado a administrar uma empresa como representante em nome do proprietário, neste caso veremos que existem quatro condições que deverão ser cumpridas invariavelmente. A primeira condição é que o representante deve ter em mente sempre a idéia de que a verdadeira propriedade e domínio da empresa pertencem ao proprietário e não ao administrador; a segunda condição é que o administrador pode tratar da empresa só em conformidade às instruções do proprietário; a terceira condição é que o administrador pode exercer autoridade dentro dos limites impostos pelo proprietário e quarta condição é que a administração da empresa deverá fazer a vontade e cumprir com as intenções do proprietário e não do administrador. Podemos afirmar que estes conceitos são inerentes ao princípio da “representação”. Este exemplo esclarece de forma ampla o conceito islâmico de que o ser humano é o representante de Deus na terra.
Numa sociedade islâmica cada pessoa goza desse status de representante de Deus na terra, não podendo ninguém privá-los desse direito/dever. O órgão encarregado de tratar dos negócios do Estado será constituído de acordo com a vontade desses indivíduos. A opinião da comunidade será decisiva na formação do governo que terá que agir conforme os conselhos e a vontade da mesma, sendo que quem ganhar a confiança da comunidade assumirá os deveres e as obrigações da representação em nome dela, e quando perder essa confiança, terá que desistir e se submeter à sua vontade. Nesse sentido, o sistema político do Islam é uma perfeita democracia.
Obviamente existem diferenças quanto ao conceito de Democracia adotado pelo Islam do conceito ocidental, dentre elas podemos destacar o fato de que na democracia ocidental o povo é soberano, enquanto que no Islam a soberania pertence a Deus e o povo é o Seu representante; na democracia ocidental é o povo que faz as suas leis, enquanto que no Islam o povo, bem como seus representantes devem seguir e obedecer às leis que Deus lhes prescreveu através de Seu Profeta; no conceito ocidental o governo empenha-se em cumprir a vontade do povo, já no conceito islâmico, o governo e o povo que o nomeia empenham-se juntos em cumprir a vontade de Deus.

Em suma podemos dizer que:
A democracia ocidental é uma espécie de autoridade absoluta que exerce o seu poder livremente e sem controle, ao passo que a democracia islâmica submete-se à Lei Divina e exerce a sua autoridade em conformidade com os mandamentos de Deus e dentro dos limites que Ele estabeleceu.


2.2 A FINALIDADE DO ESTADO ISLÂMICO


Uma característica especial da lei Islâmica ou Shariah é a ampla abrangência, pois não há nada na vida que não esteja regulamentado por ela. Devido a este fato é natural que encontremos nela regras e regulamentos relativos ao Estado e ao sistema de governo, como por exemplo, o princípio da consulta mútua e da responsabilidade dos governantes. O governo é um fator importante para um Estado, uma vez que o mandamento divino deve ser cumprido e posto em prática, e em muitos casos, os indivíduos por eles mesmos não têm o poder de fazê-los prevalecer. Portanto através disso, compreendemos que o estabelecimento de um Estado Islâmico é um requisito prévio para a correta e completa implantação dos regulamentos da Shariah.
Vejamos que nos termos legais atuais, Estado se define como sendo uma comunidade organizada de indivíduos com uma religião definida, detentores de poder e possuidores de uma personalidade simbólica, sendo constituído por um grupo de pessoas submissas a um sistema específico de legislação, tendo resistência numa região geográfica definida, possuindo seu poder e também uma representação simbólica desse poder.
Vale ressaltar, que ter habitantes muçulmanos não é condição indispensável ao Estado Islâmico ou ao seu território, mas são condições essenciais ao seu estabelecimento que o governante seja muçulmano e que seja implantado o sistema islâmico de legislação, ou seja, um líder islâmico e o domínio do Islam.
O Estado Islâmico é um estado ideológico que repousa sobre os fundamentos da fé islâmica e todas as suas leis e sistemas de regulamentação, ou seja, nesse sentido ele não é um estado regional restringido por fronteiras geográficas, nem é um estado étnico limitado pelas fronteiras de nações, raças ou etnias. É um estado ideológico cujos limites são o alcance de sua fé, não tendo por isso lugar no sistema, para privilégios baseados na cor, raça ou região. Esta natureza do Estado islâmico faz possível ser ele um estado internacional que integra diferentes raças e nações, pois todo ser humano estará apto a aceitar a crença desse estado, o Islam, para tornar-se seu súdito e professar essa crença e seu sistema. E se alguém se recusa a aceitar o Islam, ainda assim, pode viver sob a proteção do seu sistema legal, ser seu súdito e possuir sua nacionalidade, conservando a sua própria religião sem qualquer repressão do Estado. Os objetivos desse estado derivam de sua natureza. Enquanto um estado ideológico baseado no Islam, seus objetivos são naturalmente, os objetivos do próprio Islam. Esses objetivos não se limitam a promover suficiente paz e estabilidade para os indivíduos, nem tão somente proteger suas vidas e repelir agressões estrangeiras, mas se estendem à implantação do Islam em todas as atividades do governo e à expansão do chamado Islam ao mundo inteiro.
É dever do Estado tornar possível aos indivíduos obedecerem à Deus de acordo com a crença islâmica e a viverem conforme a maneira proposta pelo Islam, removendo os obstáculos que possam afastá-los desses objetivos e remover tudo que possa contradizer o pensamento do Islam, sua organização social e econômica.
Deus disse no Alcorão Sagrado:
São aqueles que , quando os estabelecemos na terra , observam a oração, pagam o zakat, recomendam o bem e proíbem o ilícito. E em Deus repousa o destino de todos os assuntos (Capítulo 22, versículo 41).

A observância da oração indica o fortalecimento do indivíduo a serviço de Deus. A promoção do bem e a prevenção do mal indicam o fortalecimento do indivíduo na vida conforme a maneira do Islam e a implantação das leis em todas as atividades do Estado. Esses são os objetivos de um estado islâmico. Ele se direciona inteiramente para o bem-estar do indivíduo e da sociedade do modo que Deus determinou. Por esses meios, o Estado assegura o bem estar do indivíduo no presente e para o futuro.


O Alcorão Sagrado claramente afirma que a meta e o objetivo do Estado são o estabelecimento, manutenção e desenvolvimento dessas virtudes, com as quais o Criador do Universo quer dotar a vida humana, e a prevenção e erradicação desses males, cuja presença na vida é totalmente contrária à vontade de Deus. 

É um Estado onde predominam a justiça, a bondade, a virtude, o êxito e a prosperidade, e onde se impeça qualquer espécie de exploração, injustiça e desordens, que aos olhos de Deus são prejudiciais à vida de Suas criaturas. Assim, ao situar para o ser humano este ideal elevado, o Islam fornece um esquema claro de seu sistema, mostrando as virtudes desejáveis e os vícios indesejáveis. Tendo em mente este esquema, o Estado Islâmico pode planejar uma felicidade programada para cada época e para cada circunstância.
O Islam persistentemente mostra que os princípios de moralidade tem que ser observados a todo custo e em todas as etapas da vida. E por isso, ele é um sistema inalterável para que o Estado possa basear sua política na justiça, na verdade e na honestidade. Em hipótese alguma o Islam tolera a fraude, a falsidade e a injustiça.
Da mesma forma que as relações do estado com os indivíduos impõem obrigações mútuas, também no que se refere às relações do Estado com os outros estados, a verdade e a justiça devem ser priorizadas. Assim, os contratos e as obrigações devem ser cumpridos, a condução dos negócios deve ser pautada por medidas e padrões uniformes, pelo respeito aos direitos dos outros, pelo uso do poder e da autoridade para que a justiça e a verdade prevaleçam sempre e deve ter em mente que o poder do estado é uma delegação de Deus, e que aquele que o exerce será chamado a prestar contas de suas ações a Deus.
É importante analisar e verificar que o Profeta Muhamad estabeleceu o primeiro Estado Islâmico na cidade de Madina na Arábia Saudita. Desde o primeiro momento de sua criação, aquele Estado islâmico introduziu a Shariah por completo, conduziu os assuntos da sociedade unicamente de acordo com o Islam e propagou-o pelo mundo. Foi, sem dúvida, o maior modelo de estrutura estatal e justiça que o mundo já conheceu, e que foi organizado em dez anos, mas que se propagou por muitos anos após a morte do Profeta. Este Estado-modelo utilizou por completo os conceitos e preceitos do Alcorão e da Sunnah, que é o que caracteriza um Estado Islâmico legitimo. O fato de um país ter cidadãos, em sua maioria, muçulmanos não necessariamente caracterizaria um Estado Islâmico.
Atualmente, nenhum dos estados no mundo muçulmano pode ser considerado islâmico em sua essência e estrutura, pois não adotam o Islam como a fonte única de suas leis, constituição e segurança. Todos eles adotam algumas características das monarquias humanas e das repúblicas com traços dos costumes islâmicos. Tudo o que permanece da Shariah, nesses países, são alguns aspectos do sistema social e penal, mas até esses vestígios, algumas vezes, apresentam distorções. O Estado Islâmico, além de implementar as normas do Islam, deve estabelecer sua estrutura política de acordo com o Alcorão e a Sunnah, para ser considerado como tal. O Alcorão Sagrado estabelece isso categoricamente:


Julga-os, pois, conforme o que Deus revelou e não sigas os seus caprichos, desviando-te da verdade que te chegou (Capítulo 5, versículo 48)


2.3 DIREITOS DO INDIVÍDUO SOBRE O ESTADO


No Estado Islâmico, é reservado ao indivíduo um papel tão importante quanto o Estado, uma vez que ele não é absorvido por este, mas evolui juntamente buscando o bem- estar comum, e trabalhando em prol da preservação e aplicabilidade correta dos princípios direitos islâmicos. Não há conflito entre Estado e indivíduo, exceto quando um destes se desviar do caminho do Islam que ambos se propuseram a submeterem-se. O indivíduo tem direitos amplos, uma vez que a função do Estado Islâmico é preservar e aplicar o disposto pelo Islam. Em suma podemos dizer que:


O Estado é o meio mais importante para o indivíduo ter prazer em desfrutar dos direitos sem a necessidade de o Estado induzí-los a esse direito.


Como forma de análise e estudo, podemos dividir os direitos do indivíduo sobre o Estado em duas categorias: os Direitos Políticos e os Direitos Públicos.

Direitos Políticos: Os Direitos Políticos são:

Os direitos que uma pessoa adquire em razão de se tornar membro de uma organização política, tais como o direito de eleger, nomear, de exercer função pública no governo, ou os direitos por meio dos quais uma pessoa participa das decisões e gerência nos assuntos do governo.


Vejamos os direitos políticos contidos no Direito islâmico:

1) Direito de Eleger o Chefe do Estado (Khalifah):

Aqui vale ressaltar a posição do Chefe do Estado num Estado Islâmico, antes de explanarmos este direito. O chefe do Estado ou Khalifah é o representante da comunidade que o elegeu com a finalidade de gerir seus assuntos em conformidade com a lei islâmica, implantando vários regulamentos dela derivados, ou seja, trata-se de pessoa delegada, que exerce sua autoridade em nome da comunidade. Os juristas explicam isso da seguinte maneira:


Aquele sob cuja liderança os muçulmanos coesos juram fidelidade, tem confirmada a sua condição de Líder e lhe passa ser obrigatoriamente devida obediência e apoio.


Desse modo, poderíamos dizer que a comunidade num Estado Islâmico é a fonte de poder, mas aqui ressaltamos que o poder da comunidade é limitada e restrita pelo poder ilimitado de Deus. A vontade de Deus está prescrita nas Leis por Ele ditadas em relação tanto ao indivíduo quanto à organização do Estado. Portanto, nem a comunidade nem o representante tem autoridade ou poder para modificar este sistema pré-estabelecido, sua autoridade consiste no poder de cumprir com o sistema estabelecido por Deus. Em outras palavras, podemos afirmar que tanto a comunidade quanto o chefe de Estado possuem uma autoridade executiva para a implantação da lei divina e não uma autoridade outorgada para criação e implantação de um novo código.
Portanto, como vimos, o indivíduo como membro da comunidade, tem o direito e dever de eleger, de forma direta, o Chefe do Estado, derivando estes de dois princípios ditados pela Lei Islâmica:

 

O primeiro é o Princípio da Consulta Mútua (Shura): 

 Este princípio é ditado pelo Alcorão Sagrado, no seguinte versículo: 

“...que resolvem seus assuntos em consenso...” (Capitulo 42 versículo 38).
 
Esse versículo deixa claro o fato de que os assuntos dos muçulmanos devem ser resolvidos através do consenso. Neste caso específico, esse princípio exige que todos dêem sua opinião sobre quem desejam eleger como chefe do Estado.
O segundo princípio é o Princípio da Responsabilidade Coletiva de Implantar a Lei Islâmica, segundo este, toda a coletividade é responsável pela implementação das leis e mandamentos islâmicos e pela condução de seus assuntos de acordo com essas leis. Essa responsabilidade é reiterada em todo o Alcorão Sagrado bem como nos ditos do Profeta Muhamad (que a paz esteja com ele) e nos precedentes históricos. As palavras do Legislador, Deus, são dirigidas aos muçulmanos como um todo:

Ó fiéis, sede firmes em observardes a justiça, atuando de testemunhas, por amor a Deus, ainda que o testemunho seja contra vós mesmos, contra os vossos pais ou contra os vossos parentes, seja o acusado rico ou pobre, porque a Deus incumbe protegê-los. Portanto, não sigais os vossos caprichos, para não serdes injustos; e se falseardes o vosso testemunho ou vos recusardes a prestá-lo, sabei que Deus está bem inteirado de tudo quanto fazeis (Alcorão Sagrado: capítulo 4, versículo 135).

Ó fiéis, cumpri com as vossas obrigações (Alcorão Sagrado: capítulo 5 versículo 1).

E que surja de vós uma nação que recomende o bem, dite a retidão e proíba o ilícito. Esta será (uma nação) bem-aventurada (Alcorão Sagrado: capítulo 3 versículo 104).

Esses versículos indicam claramente que se trata de uma responsabilidade tanto individual como coletiva, mas em diversos casos, o grupo não saberá exercer suas funções enquanto grupo, por isso vem a questão da delegação do poder a um chefe do Estado para unificar o desempenho da autoridade do grupo.


2) Direito de Consulta Mútua:

Na verdade o direito de participar da consulta mútua trata-se de uma extensão do direito de eleger, refere-se a um direito natural tanto do indivíduo como da comunidade de ser consultado sobre questões que lhe digam respeito bem como sobre as implementações quanto às regras que lhe afetarão de algum modo. A consulta mútua não se trata de mero direito, mas principalmente de uma obrigação individual e coletiva, uma vez que é um mandamento da lei islâmica, que proíbe a comunidade de se eximir de tal dever bem como proíbe a sua dispensa ou omissão por parte do chefe do Estado, a ponto de ser isso causa justa inclusive para a sua destituição, pois um governo tirano não tem possibilidade de sobreviver num Estado estabelecido com base no Islam.
Quanto ao texto Alcorânico referente à consulta, está o seguinte versículo:

Portanto, indulta-os, implora o perdão para eles e consulta-os nos assuntos (do momento). E quando te decidires encomenda-te a Deus, porque Deus aprecia aqueles que (a Ele) se encomendam (Alcorão Sagrado: capítulo 3 versículo 159)


Neste versículo, Deus ordenou ao Profeta Muhamad (que a paz esteja com ele) aplicar a consulta mútua, sendo este suficiente argumento para que tal regra seja cumprida pelo Chefe do Estado. O grande jurista islâmico Ibn Taymiya afirma:

Um governante não pode omitir-se da consulta mútua uma vez que esta prática foi ordenada por Deus ao Seu próprio Profeta.


A consulta mútua refere-se a assuntos de grande importância a todos, seja assuntos religiosos como mundanos, a respeito dos quais não haja uma revelação clara ou ditos do Profeta, bem como exemplos na biografia do Profeta a respeito do fato em si, ou algo que possa ser utilizado como analogia. Não é necessário que haja a aplicabilidade desse direito em assuntos de menor importância bem como a respeito de detalhes, uma vez que isso não é prático nem razoável. Se for um assunto de grande importância pública e que afete a toda a comunidade será dever do chefe do Estado consultar na medida do possível a comunidade inteira ou somente os representantes desta. Já se for um assunto que requeira um conhecimento específico ou opinião abalizada, então será seu dever consultar os especialistas.
Al Qurtubi, grande especialista na interpretação do Alcorão Sagrado, disse:


É dever dos governantes consultar os sábios sobre assuntos que lhes sejam desconhecidos e assuntos religiosos que não lhes estiverem claros, os líderes do exército em assuntos relacionados com a guerra, e aos líderes do povo em assuntos relacionados com o bem-estar do país e seu desenvolvimento.


Os juristas islâmicos afirmam que a qualificação de um consultor em assuntos de religião é ser pessoa piedosa e sábia quantos aos fundamentos da religião, já quando se tratar de assuntos mundanos a qualificação do consultor é ser experiente e sábio quanto à área a ser consultado.
Se chegar a ocorrer divergência entre o Chefe de Estado e os consultores, a solução será a do seguinte versículo do Alcorão Sagrado:


Ó fiéis, obedecei a Deus, ao Mensageiro e às autoridades, dentre vós! Se disputardes sobre qualquer questão, recorrei a Deus e ao Mensageiro, se crerdes em Deus e no Dia do Juízo Final, porque isso vos será preferível e de melhor alvitre (Alcorão Sagrado: capítulo 4 versículo 59).

Ou seja, se for encontrada uma regra clara no Alcorão ou na Sunnah, a obediência a estas é compulsória, tanto a comunidade quanto ao chefe de Estado, não sendo permissível a nenhum destes aplicar ou obedecer algo contrário a esta regra. Caso não haja uma regra clara, será aplicada a opinião que no Alcorão e na Sunnah corresponder a mais próxima à questão.


3) O Direito de Censura:


Como já vimos, a relação disposta entre o Chefe do Estado Islâmico e a comunidade é como a relação existente entre o outorgante e o outorgado, portanto a comunidade bem como o indivíduo tem o direito de censurar os atos e o comportamento do Chefe do Estado bem como de seus funcionários, relativos aos assuntos do Estado. A comunidade tem o direito de fiscalizar a pessoa a quem delegou certos poderes com o fim de assegurar-se do cumprimento correto de seu mandato. Vale ressaltar, que o direito à censura só pode ser utilizado como um meio para alcançar um fim, ou seja, o direito de censurar deve tencionar corrigir o chefe de Estado quando este se desvia do caminho correto do Islam no exercício de seu governo. A primeira maneira de correção é utilizar-se do conselho sincero ao governante. Em um hadith
autêntico do Profeta Muhamad ele disse:

A religião é o conselho sincero. Os companheiros do Profeta perguntaram: Para quem? Ele respondeu: Para com Deus, Seu Livro, Seu profeta, para com os chefes dos muçulmanos, bem como para com os muçulmanos em geral.

Se o conselho sincero não resolver, a comunidade tem o direito de se usar da força necessária para corrigi-lo e evitar que este cometa injustiças e desonestidade.
Temos diversos exemplos na biografia do Profeta Muhamad (que a paz esteja com ele) bem como dos primeiros quatro líderes da nação islâmica quanto à aplicabilidade deste direito, bem como o chamado dos próprios líderes a que seja censurado caso se desvie dos princípios islâmicos. Abu Bakr Assidiq, o primeiro Chefe do Estado Islâmico após a morte do Profeta, ao ser nomeado pelos muçulmanos disse: 

"Se eu me comportar bem me apóiem, mas se eu fraquejar corrijam-me". 

Já no discurso do segundo chefe de Estado, Omar Ibn Al Khatab, este disse: 

"Aqueles dentre vós que virem algum erro em mim devem corrigi-lo" 

Neste momento alguém da platéia levantou-se e disse: "Por Deus, se constatarmos em vós algo de desonestidade a corrigiremos com nossas espadas!" Omar respondeu: "Graças a Deus, pois que criou na comunidade de Muhamad alguém capaz de corrigir Omar com a sua espada". E disse também Omar ibn Khatab:


O fraco dentre vós é forte perante mim até que lhe seja devolvido o seu direito e o forte dentre vós é fraco perante mim até que devolva o direito alheio.


4) Direito de Destituir o Chefe do Estado:


A comunidade tem o direito de destituir o Chefe de Estado se este extrapolar os limites do seu mandato, bem como dos limites e leis impostas pelo Islam. Como vimos o chefe do Estado se obriga perante a comunidade a fazer prevalecer bem como aplicar as leis contidas no Alcorão Sagrado bem como na Sunnah do Profeta Muhamad, portanto uma vez que este se desvie de qualquer um destes, caindo em incredulidade e apostasia ou violação das regras islâmicas, a comunidade tem o direito de destituí-lo. Como exemplo disto, temos o chefe do Estado que se nega a respeitar o princípio da Consulta Mútua, uma vez que é um princípio estipulado diretamente pelo Alcorão. Portanto, só poderá haver a destituição desde que haja fundamento no Direito Islâmico para tal decisão.

5) O Direito à proteção do Estado:


O fundamento desse direito está em que o Estado islâmico é uma sociedade cooperativa, estabelecida numa base de ajuda mútua.
Assim, cabe ao Estado assumir a previdência aos necessitados e aos pobres. O bem- estar dos indivíduos de uma comunidade, em questões materiais, só é possível com a satisfação de suas necessidades básicas. Quando eles forem incapazes ou estiverem impossibilitados de fazê-lo, cabe ao Estado proporcionar total segurança pelo tempo que a carência ou necessidade existir. Por outro lado, cabe ainda ao Estado facilitar a geração dos meios de trabalho para a obtenção do sustento do indivíduo, criar empregos e propor projetos para erradicar a mendicância. Se a geração de empregos assim o exigir, o Estado pode conceder empréstimos do seu tesouro. Emprestar é melhor do que dar esmolas. Segundo o jurista Abu Yusuf,


Se o proprietário de uma terra arável deixar de cultivá-la por não ter recursos, então o erário público lhe proporcionará fundos suficientes para que ele possa trabalhar a sua terra.

Direitos Públicos do Indivíduo: Os direitos públicos dizem respeito aos direitos inalienáveis que são garantidos a todos como membros da sociedade. Esses direitos, como melhor forma de análise, podem ser divididos em duas categorias: 

1) Igualdade e 2) Liberdade.


1) A Igualdade: A igualdade é um princípio base do direito islâmico, pois o Islam confirma a igualdade de todos os seres humanos em sua origem primordial. A origem dos seres humanos é a mesma, viemos de Deus e a Ele retornaremos, e pertencemos a descendência de Adão, o primeiro ser humano criado por Deus. Estes, por sua vez, dividiram- se em povos e tribos, a princípio com a única finalidade de serem reconhecidos e a fim de cooperarem mutuamente para a prosperidade da humanidade, e não com fins de promover discriminações referentes a sexo, raça ou povo, pois isso só desemboca em injustiças, orgulhos raciais movidas pela ignorância. O Alcorão Sagrado afirma:


Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos, para reconhecerdes uns aos outros. Sabei que o mais honrado, dentre vós, ante Deus, é o mais temente. Sabei que Deus é Sapientíssimo e está bem inteirado (capítulo 49 versículo 13).


Tal princípio islâmico,estabelece a escala de valoração do ser humano dentre seus semelhantes com base nas qualidades virtuosas de seu caráter, sua consciência de Deus e a partir de suas boas ações.
Dentro dos preceitos e regramentos islâmicos encontramos diversos ângulos abordados com relação à igualdade, mas aqui falaremos somente com relação à igualdade dos seres humanos perante a lei e perante a justiça.
A igualdade perante a lei refere-se à igualdade concernente à aplicabilidade da lei a todos por igual, sem distinção de sexo, raça, riqueza, posição social, parentesco, e até mesmo de crença. Isso podemos constatar no caso ocorrido na época do profeta Muhamad, onde uma mulher pertencente a uma tribo nobre foi presa devido a um furto; tal caso foi levado ao Profeta e foi lhe recomendado por algumas pessoas, que ela fosse poupada da punição por pertencer a uma família nobre, então o Profeta Muhamad (que a paz esteja com ele)  disse:


Os povos que viveram antes de vós foram destruídos por Deus porque puniam o homem comum por suas faltas e deixavam impunes seus designatários por seus crimes. Juro por Aquele em Cujas Mãos está minha alma que se Fátima, a filha de Muhamad, cometesse esse crime, eu amputaria a sua mão.


Essa igualdade produz no coração da sociedade a satisfação e confiança de seus direitos, sendo que através desta, ambos Chefe de Estado e sociedade, trabalham juntos em prol da perpetuação do Estado.
Já a igualdade perante a Justiça refere-se à questão de que num Estado Islâmico, todos são iguais perante as cortes de justiça seja nos procedimentos legais para peticionar a concessão da pretensão almejada, como nos procedimentos de defesa, análise de provas, aplicação de sentenças, execução de mandados, investigação dos litígios, tratando com total isonomia os litigantes. O Alcorão Sagrado estabelece:


Deus manda restituir a seu dono o que vos está confiado; quando julgardes vossos semelhantes, fazei-o eqüidade. Quão excelente é isso a que Deus vos exorta! Ele é Oniouvinte, Onividente (capítulo 4 versículo 58).

2) A Liberdade dos Indivíduos: O Direito Islâmico garante aos indivíduos o direito a liberdade dentro dos limites impostos por Deus. A liberdade pessoal integra o direito a proteção de sua vida e honra, não podendo ninguém responder por ato que não tenha cometido, quanto a isso o Alcorão estabelece:


 "Nenhum pecador arcará com a culpa alheia" (Alcorão Sagrado: capítulo 17 versículo 15).

Também estabelece o direito de ir e vir do indivíduo:

Ele foi Quem vos fez a terra manejável. Percorrei-a pois, por todos os seus quadrantes e desfrutai das Suas mercês; a Ele será o retorno! (Alcorão Sagrado: capítulo 67 versículo 15)

Além disso, estabelece a inviolabilidade da residência no Estado islâmico, vedando o ingresso de quem quer que seja em residência alheia sem a permissão deste, trata-se de regra estabelecida claramente no Alcorão Sagrado:


Ó fiéis, não entreis em casa de alguma além da vossa, a menos que peçais permissão e saudeis os seus moradores. Isso é preferível para vós; quiçá, assim, mediteis. Porém, se nelas não achardes ninguém, não entreis, até que vo-lo tenham permissão. E se vos disserem: Retirai-vos! Atendei-os, então; isso vos será mais benéfico. Sabei que Deus é Sabedor de tudo quanto fazeis (Alcorão Sagrado: capítulo 24, versículos 27 e 28).


Ainda quanto à liberdade, o Direito Islâmico garante aos membros da sociedade islâmica a liberdade de crença, não interferindo na crença nem no culto dos não-muçulmanos que estejam abaixo de um governo islâmico. Tal liberdade, não impede, pois, a convocação de tais indivíduos ao Islam, mas esta se diferencia da aceitação compulsória, uma vez que a convocação é recomendada, mas a compulsão é vedada. Deus estabeleceu no Alcorão com relação ao chamado ao Islam:


Convoca (os humanos) à senda do teu Senhor com sabedoria e uma bela exortação; dialoga com eles de maneira benevolente, porque teu Senhor é o mais conhecedor de quem se desvia da Sua senda, assim como é o mais conhecedor dos encaminhados (Alcorão Sagrado: capítulo 16, versículo 125).


Já em relação à compulsão:  

"Não há imposição quanto à religião, porque já se destacou a verdade do erro" (Alcorão Sagrado: capítulo 2, versículo 256).

Na história, podemos constatar a existência de sinagogas e templos nos governos islâmicos de diferentes épocas, sem serem violados quer pelo Estado quer pelos muçulmanos, não havendo abjeção quanto à prática de seus cultos.
Outra liberdade garantida pelo Direito Islâmico é a Liberdade de Ação onde o indivíduo tem garantido o seu direito de conduzir o trabalho de sua preferência, desde que não se trate de um ilícito na lei islâmica, bem como, da mesma forma, tem o direito de abandonar tal trabalho, com a condição de que o interesse público não seja afetado. Cabe ao Estado solucionar conflitos entre empregador e empregado, bem como proibir a prática de trabalhos ilícitos pela lei islâmica, como por exemplo, aqueles motivados pela usura ou pela imoralidade.
Também é garantida a liberdade para possuir e dispor de seus bens desde que tais bens tenham origem em atividade lícitas e legítimas. Quanto à propriedade particular, é permitido ao Estado, quando houver necessidade, desapropriar bens por motivo de necessidade ou interesse, após ressarcir uma compensação justa. Existem direitos sobre tais bens que devem ser respeitados tais como: a obrigação de prover apoio aos parentes necessitados, o pagamento anual do tributo de 2,5% sobre o lucro total dos bens (Zakat), como forma de cooperação mútua na obtenção do bem-comum.


O Direito Islâmico também garante, considerando de extrema importância, a liberdade de expressão. Não cabe ao Estado suprimir tal liberdade nem ao indivíduo omiti-la, uma vez que dentre as obrigações do muçulmano está a promoção do lícito e a proibição do ilícito. Tal direito/obrigação está estipulado claramente no Alcorão e na Sunnah em diversas passagens. No Alcorão Sagrado temos:


E que surja de vós uma nação que recomende o bem, dite a retidão e proíba o ilícito. Esta será (uma nação) bem-aventurada (Capítulo 3, versículo 104).

Pela era, que o homem está na perdição, salvo os fiéis, que praticam o bem, aconselham-se na verdade e recomendam-se, uns aos outros, a paciência e a perseverança! (Capítulo 103, versículos 1 a 3).

O Profeta Muhamad (que a paz esteja com ele) disse:

Aquele de vós que testemunhar o ilícito, deverá repudiá-lo com suas mãos (através das ações), se não for capaz de fazê-lo então deverá fazer com a sua língua, e se nem assim for capaz deverá fazê-lo com o coração, mas esta é a forma mais fraca da fé.

Um indivíduo não deve temer a quem quer que seja no momento de expressar-se com a verdade ou ao dirigir-se aos governantes, uma vez que Deus é mais Poderoso que eles. Deve-se ter em conta, porém, que o direito de liberdade de expressão não está isento de limitações, uma vez que tal direito deve ser utilizado para expressar a verdade e proibir o ilícito e não por meras banalidades. 

Dentre as limitações da liberdade de expressão temos:


a) A liberdade de expressão deve ser utilizada com sincera intenção de promover o bem e a justiça na sociedade, buscando-se a satisfação de Deus.
b) A proibição do indivíduo de utilizar-se da liberdade de expressão por mero orgulho ou autopromoção em detrimento dos demais, como forma de humilhação.
c) Não é permitida, sob hipótese alguma a falsa utilização da liberdade de expressão como pretexto para ridicularizar o Islam, seus Profetas e sua crença.
d) É vedada a utilização da liberdade de expressão para insultar e ofender a honra e direito de terceiros, pois desta forma ela se transformaria em instrumento de dano e imoralidade.

Deus não aprecia que sejam proferidas palavras maldosas publicamente, salvo por alguém que tenha sido injustiçado; sabei que Deus é Oniouvinte, Onisciente. (Alcorão Sagrado: capítulo 4, versículo 148)
e) Não se deve em nome da liberdade de expressão corromper a sociedade através das obscenidades e do ilícito.
Concluímos quanto a isso, que a liberdade de expressão não deve ser utilizado como desculpa pra promover o ilícito e dano à sociedade, uma vez que não é esse o seu propósito nem seu objetivo. Disse Deus no Alcorão Sagrado:


Auxiliai-vos na virtude e na piedade. Não vos auxilieis mutuamente no pecado e na hostilidade (Alcorão Sagrado: capitulo 5, versículo 2).


Como último item abordado quanto à liberdade, temos a liberdade dos indivíduos quanto à busca do conhecimento e do saber. Alguns desses conhecimentos são obrigatórios a todo muçulmano, como por exemplo, o conhecimento concernente às bases de sua religião bem como do culto. Além disso, é dever do indivíduo no Estado islâmico buscar conhecimento em todas as áreas benéficas, seja nas ciências, na tecnologia, na agricultura, etc.



2.4 OS DIREITOS DO ESTADO SOBRE O INDIVÍDUO


O estado é o lar dos indivíduos que nele residem. Portanto, é do interesse deles cumprirem integralmente seus deveres para com o estado, a fim de que ele tenha condições de desempenhar as suas responsabilidades. Destacaremos aqui os deveres mais importantes para com o Estado. Vejamos:

1) Obediência total: a obediência é o dever de cumprir as disposições do Estado e os programas de utilidade pública que são propostos por ele, e que consolidam os objetivos pelos quais o Estado existe. A obediência deve ser voluntária e a sua violação enseja conseqüências sérias, como o enfraquecimento do estado, o que só prejudica a própria comunidade. Cabe ao indivíduo obedecer, mesmo que não goste das ordens emanadas, exceto no que o leve a desobedecer a Deus. Assim, a obediência ao estado não é absoluta. Se a obediência implicar em desobediência a Deus, será uma obediência proibida e, portanto, não é permitida.

2) Defesa do território islâmico: é dever dos indivíduos defender o Estado islâmico toda a vez que for agredido. Assim, é dever do Estado organizar os meios adequados aos tempos modernos, para que essa obrigação seja cumprida da melhor maneira possível. É dever do indivíduo empenhar-se até com o sacrifício de bens e, se necessário, com o sacrifício da própria vida. Os não-muçulmanos não estão obrigados, mas se quiserem participar voluntariamente para combater junto com os muçulmanos pela defesa do território do Islam, terão a isenção da "jizya", imposto cobrado pelo Estado muçulmano aos não-muçulmanos residentes em seu território.


2.5 OS DIREITOS DOS NÃO-MUÇULMANOS NUM ESTADO ISLÂMICO


A Shariah garantiu aos não-muçulmanos residentes em um Estado Islâmico diversos direitos como forma de justiça e igualdade perante todos os seres humanos, independentemente de religião ou nacionalidade. Os não-muçulmanos residentes em um Estado Islâmico são denominados “Ahlu al Zimmah” (O Povo do Tratado) este nome significa “o povo do compromisso de confiança”, porque eles se tornaram dignos de crédito ao se comprometerem com os muçulmanos, nos compromissos e na honradez, ao conviverem juntamente com os muçulmanos. Desde à época do Profeta Muhamad (que a paz esteja com ele) tais direitos foram garantidos aos não-muçulmanos, inclusive desde a criação do primeiro Estado Islâmico pelo Profeta Muhamad na cidade de Madina na Arábia Saudita. Com a criação deste primeiro Estado foi elaborada uma constituição, conforme o Alcorão Sagrado, onde garantia os direitos e deveres dos não-muçulmanos que viviam no Estado Islâmico, desde pagãos até cristãos e judeus.
Muitos são os direitos garantidos, devendo-se ressaltar que tais direitos tratam-se de revelações divinas que não podem ser alteradas nem modificadas ao bel-prazer do homem, uma vez que não foram por ele instituídas, portanto tratam-se de direitos permanentes e eternos, pois foram estipulados por Deus em Seu livro Sagrado e pelo Seu Mensageiro, que não falou por capricho, em sua Sunnah. A evidência para o caráter permanente de tais regramentos está no Alcorão Sagrado:


Não é dado ao fiel, nem à fiel, agir conforme seu arbítrio, quando Deus e Seu Mensageiro é que decidem o assunto. Sabei que quem desobedecer a Deus e ao Seu Mensageiro desviar-se-á evidentemente. (Capítulo 33 versículo 36)

Vejamos, portanto, alguns dos direitos dos não-muçulmanos sobre um Estado Islâmico:


1) O Direito dos Não - Muçulmanos Quanto à Proteção da Nobreza Humana:


Este direito parte do ponto de que Deus, Exaltado seja, enobreceu a condição do ser humano em geral, crédulos e incrédulos, elevando sua posição sobre muitas criaturas. Disse Deus no Alcorão:


Enobrecemos os filhos de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com todo o bem, e os preferimos enormemente sobre a maior parte de tudo quanto criamos (capítulo 17, versículo 70).


Alem disso, cumulou o ser humano com suas bênçãos cognoscíveis e incognoscíveis e submeteu a Ele, de forma nobre e preferível, tudo o que existe nos céus e na terra. Disse Deus, Exaltado seja:


Deus foi Quem criou os céus e a terra e é Quem envia a água do céu, com a qual produz os frutos para o vosso sustento! Submeteu para vós, os navios, que com Sua anuência, singram os mares, e submeteu para vós os rios. Submeteu para vós o sol e a lua, que seguem os seus cursos; submeteu para vós à noite e o dia. E vos agraciou com tudo quanto Lhe pedistes. E se contardes as mercês de Deus, não podereis enumerá-las. Sabei que o homem é iníquo e ingrato por excelência. (Tradução dos versículos do Alcorão Sagrado: Capítulo14 versículos 32 -34).


O Islam protegeu a honra do ser humano, inclusive daqueles que não são seus adeptos, confirmando que a origem da criatura humana é única e que todos são iguais em sua humanidade e nos seus direitos. Disse Deus, o Exaltado:


Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos, para reconhecerdes uns aos outros. Sabei que o mais honrado, dentre vós, ante Deus, é o mais temente. Sabei que deus é Sapientíssimo e está bem inteirado (Alcorão Sagrado: capítulo 49, versículo 13).

Disse o Profeta Muhamad (que a paz esteja com ele), no seu sermão feito durante a peregrinação, no ano dez da Hégira:

Ó seres humanos: o seu Senhor é único, o pai de vocês é único, não há preferência do árabe sobre o não árabe, nem do não-árabe sobre o árabe, nem do vermelho sobre o negro, nem do negro sobre o vermelho, a não ser na piedade. Por acaso não divulguei isso a vocês?

Dentre as formas que levam em consideração o respeito à generosidade do ser humano, está que o Profeta Muhamad ordenava que os muçulmanos se levantassem na passagem dos mortos, como o relatado no hadith de Ámr Ibn Rabia onde cita que o Profeta Muhamad disse: “se vocês virem um morto sendo carregado, que levantem até que ele passe”. E passando por ele, um dia, um funeral, levantou-se o Profeta e foi dito a ele: “É o funeral de um judeu”. Ele respondeu: “Não é uma alma?”.

 

2) Os Direitos na Liberdade de Crença:


O Profeta Muhamad (que a paz esteja com ele) dava o direito de escolha para as pessoas de entrar no Islam ou se desejassem permanecerem em sua religião; e uma vez deliberado o tratado com eles, lhes assegurava sua religião, sua honra, suas posses, fazendo com que gozassem do tratado firmado com Deus e com seu Mensageiro, e por isso eram chamados de “povo do tratado”. É vedado na Shariah a imposição da religião a quem quer que seja, uma vez que a religião deve ser aceita de livre arbítrio. Deus disse no Alcorão Sagrado:

Não há imposição quanto à religião, porque já se destacou a verdade do erro. Quem renegar o sedutor e crer em Deus, ter-se-á apegado a um firme e inquebrantável sustentáculo, porque Deus é Oniouvinte, sapientíssimo (Capítulo 2, versículo 256).


E disse:  
“Dize-lhes: A verdade emana do vosso Senhor; assim, pois que creia quem desejar, e descreia quem quiser.” (Alcorão Sagrado: capítulo18, versículo 29).

O Islam não só permitiu a liberdade dos não – muçulmanos em permanecerem em suas religiões, mas nas suas normas tolerantes, permitia a eles a prática dos seus cultos e a preservação dos seus lugares de adoração.
Disse Sr. Thomas Arnold, orientalista inglês:


Não ouvimos falar de nenhuma tentativa preparada para obrigar as comunidades não-muçulmanas a aceitarem o Islam, nem de nenhuma repressão organizada, com o intuito de extirpar do mundo a religião cristã. Caso os califados tivessem escolhido a prática de uma destas duas alternativas, eles teriam aniquilado o cristianismo com a mesma facilidade com que Ferdinando e Isabela extirparam o Islam da Espanha; ou ainda, como se fez Luís XIV na França onde os seguidores do protestantismo eram castigados; ou ainda com a mesma facilidade com a qual os judeus foram mantidos distanciados da Inglaterra por 350 anos. Na Ásia, as igrejas orientais haviam se afastado totalmente do resto do mundo cristão e não havia ali, em nenhum lugar, alguém que ficasse ao lado deles; por serem considerados um grupo religioso dissidente, somente o fato da permanência destas igrejas ali até os nossos dias demonstra comprovadamente que, a política dos governos islâmicos em geral, se estabelece na tolerância perante eles.


3)O Direito dos Não – Muçulmanos em se apegarem à sua doutrina:


A Shariah não obriga os cidadãos dum Estado Islâmico a praticarem as normas da instituição islâmica, sendo que são isentos do pagamento do tributo (Zakat), que se constitui num dos pilares do Islam e torna incrédulo o muçulmano que renega a sua obrigação.
O Islam também não obrigou a batalharem pela causa de Deus na defesa do Estado Islâmico ao lado dos muçulmanos, mesmo sendo este um ato dos mais elevados dentro da religião e sendo que seu beneficio é voltado para a segurança de todos os residentes do Estado, sejam muçulmanos ou não.
O motivo para isentá-los destes dois pilares é que eles pagam um pequeno imposto material para compensar esta isenção. Isto é conhecido no Islam pelo nome de “Jízya” (imposto).

Também permitiu aos não–muçulmanos que instituíssem uma vida social (legislação civil), conforme as sua normas específicas, como, por exemplo, normas de casamento, divórcio, etc. E quanto às leis de punição, os sábios em jurisprudência islâmica determinaram que os preceitos islâmicos não são aplicáveis a eles, exceto aqueles que são ilícitos para ambos, como por exemplo em caso de roubo e adultério.
Por isso o povo do tratado possuía os seus tribunais judiciários específicos para se julgarem como quisessem, ou podiam, como registrado historicamente, ir até o tribunal islâmico. Neste caso, a obrigação dos muçulmanos era julgar com justiça. Disse Deus no Alcorão:


Se apresentarem a ti, julga-os ou aparta-te deles, porque se te separares deles em nada poderão prejudicar-te; porém, se os julgares, faze-o eqüitativamente, porque Deus aprecia os justiceiros (capítulo 5, versículo 42).


4) Os Seus Direitos na Justiça:


A Shariah possui como base de tudo o princípio da Justiça. Portanto, ordenou para que os humanos fossem justos em todos os momentos, mesmo que a prática da justiça viesse a prejudicar a própria pessoa, ou seja, que fosse prejudicial às pessoas mais próximas a ela, como Deus disse no Alcorão Sagrado:


Ó fiéis, sede firmes em observar a justiça, atuando de testemunhas, por amor a Deus, ainda que o testemunho seja contra vós mesmos, contra os vossos pais ou contra vossos parentes, seja o acusando rico ou pobre, porque a Deus incumbe protegê-los. Portanto, não vos entregueis à concupiscência, para não serdes injustos; e se falseardes o vosso testemunho ou vos recusardes a prestá-lo, sabei que Deus está bem inteirado de tudo quanto fazeis (Alcorão Sagrado: capítulo 4, versículo 135).

E disse:

Deus manda restituir o que vos está confiado a seu dono; quando julgardes vossos semelhantes, fazei-o com eqüidade. Quão excelente é isso a que Deus vos exorta! Ele é Oniouvinte, Onividente. (Alcorão Sagrado: capítulo 4, versículo 58)


As páginas da história registram com letras iluminadas, fatos que demonstram a justiça com a qual os muçulmanos lidavam com os não – muçulmanos. Citarei aqui algumas dessas brilhantes demonstrações:
Certa vez , um homem dentre os muçulmanos chamado Toomah Ibn Ubairik , roubou um escudo de seu vizinho que se chamava Katadah Ibn Annu’man. O escudo estava num saco com trigo e este começou a se espalhar de um buraco deste saco, fazendo uma trilha de trigo até a casa do ladrão. Este escondeu o saco na casa de um judeu chamado Ibn Assamin. Ao descobrirem o roubo e a trilha, procuraram o saco na casa de Toomah e não o encontraram lá. Ele jurou que não havia nada lá e que ele não tinha conhecimento disso. Os donos escudo disseram: “Sim, por Deus, foi alguém de noite em nosso lar e o levou; seguimos a trilha até sua casa e vimos o resto do trigo”. Quando ele jurou, foi deixado. Seguiram a trilha do trigo, até que chegou na casa do judeu e o encontraram. O judeu disse: “Quem me entregou o escudo foi Toomah Inb Ubairik” e alguns dos judeus foram testemunhas disso. Os parentes de Toomah, da tribo de Thufar disseram: “Vamos até o Profeta Muhamad (que a paz esteja com ele)” e contaram a ele o que aconteceu, pedindo-lhe que advogasse pelo companheiro deles. Disseram: “Se não advogar pelo nosso companheiro, ele irá perecer e perder-se enquanto o judeu irá inocentar-se”. O Profeta Muhamad intentou aplicar a lei sobre o judeu e então Deus, Exaltado seja, revelou os versículos, inocentando o judeu e reprimindo aqueles tentavam julgá-lo injustamente. Então foi revelado um versículo no Alcorão Sagrado, que é recitado a todo o momento, e que serve de suficiente prova que tal livro é a revelação de Deus e não meras palavras de um ser humano, para que a justiça permaneça como norma para os muçulmanos, para que eles e toda a humanidade não se desviem dela, sendo esta humanidade muçulmana ou não. Disse Deus, Exaltado seja:


Realmente, revelamos-te o Livro, a fim de que julgues entre os humanos, segundo o que Deus te ensinou. Não sejas defensor dos pérfidos. Implora o perdão de Deus, porque Ele é Indulgente, Misericordiosíssimo. Não advogues por aqueles eu enganaram a si mesmos, porque Deus não Aprecia o pérfido, pecador. Eles se ocultam das pessoas e não se ocultam de Deus, sendo que Deus está com eles, quando, à noite, discorrem sobre o que a ele desagrada. Deus está inteirado de tudo quanto fazem. Eis que vós, na vida terrena, advogastes por eles. Quem advogará por eles, ante Deus, no Dia da Ressurreição ou que será seu defensor? (Alcorão Sagrado: capítulo 4, versículos 105-109).


Também há uma outra história onde Ali Ibn Abi Táleb , que era o Chefe do Estado dos Muçulmanos na época, disputava com um judeu sobre uma questão. Ali deu por falta de um escudo seu e quando voltou, encontrou-o na mão de um judeu que estava vendendo no mercado de Alkufa. Disse: “Ó judeu o escudo é meu e não o doei nem vendi”. Respondeu o judeu: “O escudo é meu e está em minha mão”. Ali retrucou: “Vamos resolver com o juiz”. Ali se dirigiu ao juiz e disse: "Esse escudo é meu e não o vendi nem doei". O juiz, então, perguntou ao judeu: "O que você me diz?".Ele respondeu: "O escudo é meu e está na minha mão". O juiz perguntou: “Ó líder dos crentes, possuis prova?” Ele respondeu: “Sim, Hassan, o meu filho e Kanbar podem testemunhar que o escudo é meu”.O juiz retrucou: “Oh Líder dos crentes, o testemunho do filho para seu pai não é válido”. Então Ali disse: “Louvado seja Deus! Um homem dos moradores do Paraíso não vale o seu testemunho! Ouvi o mensageiro de Deus (que a paz esteja com ele) dizer: “Hassan e Hussein são senhores dentre os jovens do povo do paraíso”. O judeu então falou:


O líder dos crentes me leva ao juiz e ele dá o veredito contra ele! Testemunho que essa religião é verdadeira e testemunho que não há divindade real além de Deus e que Muhammad é seu servo e mensageiro, e que o escudo é seu oh líder dos crentes; caiu do senhor durante a noite.

5) O Direito de Proteger o Seu Sangue, Suas Posses e a Sua Honra:


A Shariah protege o ser humano nos seus direitos principais na vida, aqueles que lhe são essenciais, sendo eles: a proteção da vida, do sangue, das posses, da honra, da mente e igualam nestes direitos os não–muçulmanos aos muçulmanos.
Disse Deus no Alcorão Sagrado:

Vinde, para que eu vos prescreva o que vosso Senhor vos tem vedado: Não Lhe atribuais parceiros; tratai com benevolência vossos pais; não sejais felicitas, por temos à miséria – Nós vos sustentaremos, tão bem quanto aos vossos filhos – não vos aproximeis das obscenidades, tanto pública, como privadamente e não mateis, senão legitimamente, o que Deus proibiu matar. Eis o que Ele vos prescreve, para que raciocineis (capítulo 6, versículo 151).

Não se permite molestar os não – muçulmanos sem ter direito, por qualquer motivo que seja; por exemplo: ferir seu pudor e honra, usurpar suas posses, agredi-lo, matá-lo sem motivo sancionado pelas normas do Islam.

6) O Direito no bom tratamento:


O Alcorão Sagrado possui uma regra magnífica que é o alicerce do tratamento para com os não – muçulmanos e demonstra que este princípio se constitui em tratá-los da melhor forma e numa virtude e gentileza, desde que não sejam de inimizade clara. Disse Deus, Exaltado seja:


Deus, nada vos proíbe, quando àqueles que não vos combateram pela causa da religião e não vos expulsaram dos vossos lares, nem que lideis com eles com gentileza e eqüidade, porque Deus aprecia os eqüitativos. Deus vos proíbe tão- somente entrar em privacidade com aqueles que vos combateram na religião, vos expulsaram de vossos lares ou que cooperaram na vossa expulsão. Em verdade, aqueles que entrarem em privacidade com eles serão iníquos (Alcorão Sagrado: capítulo 60, versículos 8-9).


O conhecimento da vida do Profeta Muhamad, nos revela uma história iluminada referente ao seu bom tratamento para com os não – muçulmanos. Ele possuía vizinhos não - muçulmanos e sempre os tratava gentilmente, presenteando-os e aceitando os seus presentes, até que certa vez uma mulher judia, colocou veneno sob o lombo de um carneiro e presenteou o Profeta com ele. E mesmo assim, ele continuou a visitar os seus doentes, lhes dava caridade e comercializava com eles. E os muçulmanos continuaram, após ele, a fazer o mesmo.
Estes são, resumidamente, alguns, dentre outros direitos garantidos aos não- muçulmanos que residem em um Estado Islâmico. Verifica-se, portanto, que não é do intuito da Shariah, impor a religião islâmica, nem oprimir os cidadãos que não praticam a mesma religião, mas sim garantir a todos uma justa igualdade, conforme a revelação sagrada.